24 de mar. de 2013

Ninguém avisou que seria assim.


"Lusco-fusco.", disse para si, tão baixo, que era quase pensamento. E olhou o sol se pondo por entre os prédios. Prédios são as árvores que  lhe restam. É difícil crescer no mato e na estrada de terra batida e então se ver forçada a  viver o calor abafado e artificial do asfalto. O piche gruda no chão e em você. Linhas brancas contínuas no asfalto orientam o fluxo de carros. Linhas brancas contínuas na mesa orientam o fluxo de idéias. Ela respira fundo e se pergunta quando foi a última vez que respirou outra coisa sem ser pó e  o ar morto da cidade.

Ela se sentia pequena demais dentro de sua própria casa. Como se os cômodos a cada dia tomassem novas proporções. O pé direito das paredes parecia cada vez maior. Os móveis não ocupavam os espaços corretamente. Era o vazio que ocupava a casa. O vazio que a ocupava. Em seu peito, pó, piche, sangue e silêncio.

A cidade tinha esse poder também, de fazer com que ela sumisse. Sua voz era abafada por outras vozes e pelas buzinas, pela música alta demais. Todos estavam absortos pela música, pelas luzes. Era horrível a sensação de ser lúcida.

Não havia mais sentido na sentença casa-trabalho-suposta diversão-casa. Ela sequer conhecia aquelas pessoas de fato. Nunca dividiu a grama e o céu azul com nenhuma delas. Porque quando as costas tocam a grama e você compartilha o silêncio de olhar o céu é que se conhece alguém verdadeiramente.

Chove. E ela olha a chuva no vidro da janela, porque essa é das coisas bonitas que ela gosta de ver. Alguma recompensa por aqueles dias de merda. Era isso então? Resignar-se e ver a chuva. Então lembrou-se que até a chuva é errada por aqui. Toda essa água era certeza de gente sem casa e caos pelas ruas. Merda de cidade.

Pegou a mochila, enfiou o que restavam de roupas limpas. Pegou a escova de dentes e um desses papéis que fazem de nós gente perante o mundo. Chaves em mão e trancou a porta. Ela sabia que essas chaves nunca mais veriam essa fechadura novamente.

Lusco-fusco. Ver o céu roxo-laranja por entre as árvores. Os pés sujos terra e e o cheiro de mato. Tudo estava em seu lugar.



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